quinta-feira, 22 de março de 2018

A última passagem do Nacional pela 1ª Divisão - O Torneio da Morte de 1959/60


Equipe paulistana chega à última rodada da Série A-2 com chances de classificação; relembre sua última participação na elite

Foto da equipe no ano de 1958, ano anterior à queda. Da esquerda pra direita, o juiz, Pelé, Valentino (Goleiro Naça), Pagão camisa 9 (Santos) lá atras o Pepe e jogadores do Naça ao canto direto. Nacional 3 x 4 Santos - Estadio Nicolau Alayon. Imagem cedida por Deivid Silva / Nacional Atlético Clube
Por: André Carlos Zorzi

O Nacional Atlético Clube, um dos times de futebol mais tradicionais da cidade de São Paulo, chegou à última rodada da Série A-2 do Paulistão-2018 com chances reais de passar às semi finais.

A possibilidade desperta a esperança dos torcedores de rever a equipe disputando uma primeira divisão estadual – algo que não ocorre desde o ano de 1959.



Jogo entre Nacional e Água Santa, 22/03/2018. Foto: André Carlos Zorzi

E haja tempo! Para contextualizar, o presidente do Brasil à época era Juscelino Kubitschek. A capital federal o Rio de Janeiro. Os maiores campeões mundiais, Uruguai e Itália, com dois títulos cada, seguidos de Alemanha e Brasil, campeão vigente. Aos 19 anos de idade, Pelé ainda estava longe de se tornar o rei do futebol. O Nacional, por sua vez, era presidido por Antonio Carlos Nogueira Garcez.

Manchete da época - ir à lua ainda não era uma realidade

Relembraremos a seguir a última vitória da equipe na principal divisão estadual, alguns jogos importantes do Nacional naquela edição, e, por fim, mais detalhes sobre o Torneio da Morte, que, apesar de ser o desfecho do Campeonato Paulista de 1959, foi disputado em janeiro de 1960.


Tabela final da 1ª fase do Paulistão-59. Pontuação em 'pontos perdidos'



A Última Vitória

O Nacional em campo em sua última passagem pela 1ª divisão
Nacional 3 x 2 XV de Jaú
Na terça-feira, 22 de dezembro, o Nacional recebia o XV de Jaú em jogo válido pela penúltima das 38 rodadas do Paulistão de 1959. Foi a última vitória conquistada pela equipe em uma primeira divisão. O 3 x 2 impediria que o Comercial, lanterna do torneio, pudesse alcançar o Nacional na penúltima posição.

O Nacional saiu à frente com um gol de Nino, aos 23’ de jogo. Sete minutos depois, Graciano empatou para os visitantes, e Zé Carlos retomou a frente no placar para os nacionalinos aos 38’.

No começo do segundo tempo, o XV de Jaú teve o seu principal momento ofensivo na partida, que foi freado graças a uma falha do zagueiro central Japonês, que marcou gol contra aos 5’. O placar foi fechado aos 22’, com Graciano diminuindo o estrago para o XV.


Nacional: Jura; Nino e Mario; Geraldo, Ferrari e Roderley; Luiz Carlos, Zé Carlos, Baiano, Elson e Zuring.

XV de Jaú: Inocencio; Aracito e Japonês; Zezinho, Fernando e Moreto; Guanxuma, Graciano, Mozart, Ledesma e Itamar


Árbitro: Dino Pasini



Curiosidade
No mesmo dia da partida, a Seleção Brasileira jogou uma partida válida pelo Campeonato Sul-Americano Extra de Futebol (equivalente à Copa América atualmente), diante da Argentina.

O Brasil era a única equipe que ainda poderia barrar o título uruguaio, mas ele acabou se concretizando graças a goleada de 4 x 1 por parte dos argentinos, na cidade de Guaiaquil.

Na ocasião, o Brasil foi a campo com: Waldemar; Zequinha e Edson (Geroldo); Givaldo, Zé Maria e Clovis; Traçaia, Zé de Melo, Paulo, Geraldo e Elias (Goiano).

Outras vitórias
O XV também foi a primeira vítima do Nacional no campeonato, quando foi derrotado em Jaú por 3 x 1. O time da capital ainda venceu XV de Piracicaba (3 x 1), Noroeste (3 x 1), Ponte Preta (3 x 0) América (2 x 0, em casa), Botafogo (3 x 1), Comercial (6 x 2) e Taubaté (2 x 1).

Jogos importantes
Diante dos seis primeiros colocados, o retrospecto do Nacional não foi animador.

Nacional x Palmeiras

Contra o Palmeiras, por exemplo, um placar conhecido dos brasileiros: 7 x 1, em pleno Nicolau Alayon.

Quando faltavam cerca de 30 minutos para o fim da partida e o placar já indicava 6 x 0, o zagueiro palmeirense Dicão, contundido, sai de campo e deixa os italianos com um a menos.

Algum tempo depois, o palmeirense Americo adentrou a área sozinho e foi derrubado deslealmente por Waldir. Apesar do pênalti claro, o juiz não marcou. Americo saiu de campo na mesma hora, lesionado, deixando o alviverde com nove em campo. Mesmo assim, houve tempo para mais um gol palmeirense: 7 x 0.

Nacional: Cherri, Zinho e Waldir; Roderley, Gonçalves e Picho; Edgar, Amorim, Nondas, Elson e Walter.

Palmeiras: Waldir; Djalma Santos e Dicão; Geraldo, Zequinha e Waldemar; Paulinho, Americo, Nardo, Enio, Andrade e Chinesinho.

Contra os cinco grandes clubes à época e da Ferroviária, 3ª colocada após uma brilhante campanha, obteve os seguintes resultados:

1º Turno:
Nacional 1 x 7 Palmeiras
Nacional 0 x 3 São Paulo
Nacional 2 x 4 Portuguesa
Nacional 0 x 3 Corinthians
Nacional 0 x 2 Santos
Nacional 2 x 4 Ferroviária

2º Turno:
Nacional 0 x 2 Palmeiras
Nacional 0 x 4 Santos
Nacional 1 x 1 Ferroviária
Nacional 1 x 2 São Paulo
Nacional 1 x 4 Corinthians
Nacional 1 x 3 Portuguesa

Torneio do Descenso
A 'mini competição', decorrente do Paulistão de 1959 foi disputada em janeiro de 1960 e também ficou conhecida como Torneio da Morte. 

Reuniu a Portuguesa Santista (17ª colocada), XV de Jaú (18º) e o Nacional (19º), com os três se enfrentando em turno e returno. O Comercial da capital, lanterna, foi rebaixado direto à última divisão.

Na última rodada da 1ª fase, Ponte Preta e América também tinham chances de precisar disputá-lo.

À época, o esquema de acessos e rebaixamentos não era consolidado como hoje, o que levantou certa polêmica pelo fato de Briosa e XV protestarem quanto ao cumprimento da chamada Lei do Acesso. O Nacional foi o único a não se opor.

Como consta no jornal O Estado de S. Paulo, de 9 de janeiro de 1960:

“[...] [Os] quadros iniciam amanhã a disputa do ‘Torneio da Morte’. Só um escapará. Será curioso se for o Nacional, único disposto a enfrentar as consequências da Lei do Acesso”.

No dia seguinte, a explicação continuava:

“A Lei do Acesso prevê o rebaixamento, para a futura Primeira Divisão da FPF, de três clubes que se colocarem nos três últimos lugares, no Campeonato Paulista de 1959. O descenso para o último colocado é automátivo. Os três que antecederam devem agora disputar um torneio, para que se apure um vencedor, único a escapar do rebaixamento.”



“Tanto o XV de Novembro como a Portuguesa, por outro lado, atuarão no torneio sob protesto, por entenderem ilegal a aplicação da Lei do Acesso. O Comercial, já rebaixado, está também preparando recursos contra essa medida. Está mesmo disposto a apelar à Justiça Comum.
Apenas o Nacional não esboçou nenhuma atitude de protesto contra a decisão da FPF.”

A tabela ficou distribuída da seguinte forma:

10/01 – XV de Jaú x Portuguesa Santista
13/01 - Portuguesa Santista x Nacional
17/01 – Nacional x XV de Jaú
20/01 – Portuguesa Santista x XV de Jaú
24/01 – Nacional x Portuguesa Santista
27/01 – XV de Jaú x Nacional

As Campanhas
O XV de Jaú havia ocupado a parte final da tabela durante praticamente todo o torneio. Curiosamente, foi capaz de vencer o Santos, que disputou a grande final com o Palmeiras e marcou 151 gols em 38 jogos, por 1 x 0, em 8 de novembro de 1959, no returno. No 1º turno, houve vitória santista por 8 x 2.

A Portuguesa Santista, por sua vez, decaiu de rendimento após a saída do técnico Filpo Nunes para o Jabaquara. Na última rodada, dependia de um empate contra o América para se salvar. Acabou derrotado por 4 x 0.

O Nacional também pouco empolgou seus torcedores. Em um de seus poucos jogos de destaque, goleou o lanterna Comercial por 6 x 2 no Comendador Souza.

Confira abaixo os resultados das equipes envolvidas no Torneio do Descenso ao longo da 1ª fase:

XV de Jaú 1 x 3 Nacional
Portuguesa Santista 3 x 0 XV de Jaú
XV de Jaú 4 x 0 Portuguesa Santista
Nacional 3 x 2 XV de Jaú
Nacional 1 x 1 Portuguesa Santista
Portuguesa Santista 4 x 3 Nacional

O Nacional no Torneio da Morte

Disputa de bola entre Portuguesa Santista e Nacional
Portuguesa Santista x Nacional
O Nacional tinha uma dura tarefa logo de cara: superar a melhor situada entre as três equipes fora de seus domínios. Em caso de derrota, a Briosa, que já havia vencido a estreia, encerraria o primeiro turno com vantagem.

No dia da partida, o jornal O Estado de S. Paulo destacava:

“No jogo de hoje, dificilmente os santistas deixarão escapar a vitória, ajudados ainda pelos fatores campo e torcida. O Nacional fará sua primeira apresentação. Sem modificações de vulto no quadro que disputou todo o Campeonato, dificilmente superará o nível medíocre de suas apresentações durante o certame”.

“Os jogadores do Nacional, que ontem à tarde treinaram sob a orientação de Brandãozinho, permanecem concentrados, em preparação para o jogo de hoje. Seguirão à tarde para Santos, em ônibus especial.”

O resultado não foi dos melhores, como consta no pós-jogo:

“[...] [A Portuguesa] acumulou três ‘goals’ em cima do Nacional e este, mesmo oprimido pelo peso dessas bolas, ainda foi marcar dois pontos que abalaram o adversário com um susto danado”.

Placar final: 3 x 2.


Nacional x XV de Jaú
No primeiro tempo, os donos da casa atacaram de forma insistente e desordenada, com o ataque perdendo três boas chances de abrir o placar.
Os visitantes saíram à frente no placar. Alguns veículos creditam o tento a Guanxuma, e outros a Graciano, em conclusão surgida após falha do zagueiro Nino. 0 x 1.

Na volta do intervalo, Zé Carlos precisou de apenas dois minutos de bola rolando para receber lançamento de Baiano e empatar o jogo. 1 x 1.
Aos 27’ da etapa complementar, uma importante vantagem para o Nacional: o XV de Jaú ficou com um jogador a menos após expulsão do meio-campo Ledesma, que acertou pontapé em Baiano, após ele ter lhe dado as costas.

O fato, porém, de pouco adiantou: aos 41’, Graciano sacramentou a vitória para o time de Jaú, mesmo com a tentativa de defesa do goleiro Valentino, que chegou a tocar na bola.

A Folha de S. Paulo definia:

“A equipe nacionalista disputou uma péssima partida durante a qual evidenciaram-se, de forma gritante, as suas falhas de conjunto. Teve pela frente um XV de Jaú bastante disposto, que não pôde apresentar futebol de nível técnico superior ao do adversário, mas que soube explorar muito bem as oportunidades surgidas.”

Com a nova derrota, o jornal O Estado de S. Paulo descreveu:

“O mais provável nesse torneio, portanto, é que caiba mesmo ao Nacional e ao XV de Novembro o trabalho de congestionar os tribunais de justiça desportiva com calhamaços de recursos. O trabalho talvez não seja inútil, porque já uma vez salvou um quadro em circunstâncias semelhantes: o Jabaquara.”

Tratava-se de uma referência ao Paulistão de 1955, em que a equipe do litoral havia sido lanterna e, em tese, rebaixada. Porém, após utilizar o argumento de que seria uma das fundadoras da Federação, e, portanto, não poderia cair, acabou por permanecer após recurso.

Com a derrota, o Nacional dependia de vitória do XV sobre a Portuguesa no jogo seguinte, além da necessidade de vencer suas duas partidas restantes.

Nacional 1 x 2 XV de Jaú
Nacional: Valentino; Nino e Mario; Rivetti, Pixo e Roderley; Luis Carlos, Zé Carlos, Baiano, Elson e Nondas.
XV de Jaú: Inocencio; Aracito e Japonês; Gilberto, Moreto e Fernandinho; Guanxuma, Graciano, Ledesma, Itamar e Mozart.
Juiz: Luis Palumbo.
Renda: 35.575,00 cruzeiros

Nacional x Portuguesa Santista
Por uma questão de tabela, o Nacional entrou em campo já rebaixado. Como a Briosa havia superado o XV de Jaú por 3 x 0 no jogo anterior, já possuía seis pontos na tabela. Com dois jogos em disputa, o time da capital poderia chegar somente a quatro.


Prova do desinteresse na partida foi o baixo público presente, que deu uma renda de apenas 3.635,00 cruzeiros, cerca de um décimo da partida anterior.

Aos 30’ de jogo, falta para os donos da casa. Gonçalves cobrou e pôs o Nacional à frente. 1 x 0.

A vitória parcial durou até os 27’ da etapa complementar, quando Atílio subiu livre pelo meio-campo e conseguiu chutar. O zagueiro Mario tentou interceptar a bola, mas acabou por tirar o goleiro da jogada e marcar contra.

Nacional 1 x 1 Portuguesa Santista
Nacional: Valentino; Getúlio, Mario, Roderley, Gonçalves, Pixo, Luis Carlos, José Carlos, Vitor, Rubens, Zurinque.
Portuguesa Santista: Aparecido, Pixu, Brandão, Nenê, Jorge, Henrique, Bota, Atílio, Silvio, Norberto, Rafael.
Juiz: Fatore Rosa.

XV de Jaú x Nacional
O último jogo do Nacional em um resquício de primeira divisão teve um tom de melancolia, reunindo duas equipes que já estavam previamente rebaixadas, sem valer nada em termos de tabela e, ainda por cima, encerrando de vez o campeonato do ano anterior.

“O Nacional Atlético Clube dissolverá o seu quadro de profissionais. Os defensores do quadro do Nacional terão seus passes colocados à venda. Com essa atitude, o Nacional confirma as declarações de seu presidente, que concordará com o cumprimento da Lei do Acesso.”, definia o Estado de S. Paulo de 27 de janeiro de 1960.

Apesar de tudo, foi um jogo movimentado.

Zuring abriu o placar para o Nacional, aos 18’. Zé Carlos ampliou quatro minutos depois, e Valtinho diminuiu aos 38’.

No segundo tempo, Zé Carlos fez 3 x 1 para os visitantes, aos 14’. A vitória, porém, não durou muito. Aracito reduziu aos33’ e Itamar empatou aos 41’.

Estava cumprida a tabela e findada a última participação do Nacional Atlético Clube na primeira divisão estadual, então conhecida como Divisão Especial, até os dias de hoje.

XV de Jaú 3 x 3 Nacional.
XV de Jaú: Larmin; Aracito e Almir; Moreto, Gilberto e Dino; Valtinho, Graciano, Adãozinho, Itamar e Zezinho.
Nacional: Valentino; Getulio e Mario; Roderley, Gonçalves e Pixo; Rubens, Zé Carlos, Vitor, Elson e Zuring.
Juiz: Telemaco Pompeu

Torneio da Morte – Campeonato Paulista 1959

10/01/1960 – XV de Jaú 0 x 1 Portuguesa Santista
13/01/1960 – Portuguesa Santista 3 x 2 Nacional
17/01/1960 – Nacional 1 x 2 XV de Jaú
20/01/1960 – Portuguesa Santista 3 x 0 XV de Novembro
23/01/1960 – Nacional 1 x 1 Portuguesa Santista
27/01/1960 – XV de Jaú 3 x 3 Nacional

Classificação final:
07 pontos – Portuguesa Santista
03 pontos – XV de Jaú
02 pontos – Nacional

Ao término do torneio, os jogadores da Briosa receberam cerca de 15 mil cruzeiros como gratificação pela permanência.

Informações e imagens: Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo

Prédios das redondezas certamente ainda não estavam lá em 1959. Foto: André Carlos Zorzi


Região do estádio do Nacional no ano de 1958. Foto: Geoportal Memória Paulista