segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Há 22 anos, governo enfrentava congresso por previdência - no futebol


Jogo entre políticos foi marcado por muitos gols e piadas de duplo sentido

Paulo Renato disputa bola com deputado Francisco Rodrigues. MMilton Seligman no gol do executivo ao fundo. Foto: Marcio Arruda / Folhapress

Por: André Carlos Zorzi

O ano era 1995. O tetra da seleção, a criação do plano real e a primeira eleição de Fernando Henrique Cardoso como presidente ainda eram fatos 'do ano passado'.

No dia 9 de abril, um domingo, na Granja do Torto, em Brasília, FHC organizava um inusitado jogo de futebol entre os poderes Executivo e Legislativo. À época, uma das principais questões em pauta no mundo político era, assim como hoje, uma reforma na previdência, e o encontro visava melhorar as relações entre eles.

De um lado, ministros e chefes de gabinete e comunicação. Do outro, deputados, e até mesmo um senador. O nome mais aguardado não pôde estar presente por conta de uma viagem à Argentina: Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, então ministro dos esportes.


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Jornais da época apontavam possibilidade de uma goleada por parte do time do Congresso, já acostumado a jogar junto em alguns finais de semana na casa de Wigberto Tartuce (PP-DF), enquanto os rivais se conheceriam em campo na manhã daquele domingo, na Granja do Torto.

Futebol e Política
Como era de se esperar, a ocasião rendeu inúmeras piadinhas e frase de duplo sentido. Em tom de brincadeira, FHC pedia ao time de seu governo que 'facilitasse' a vida do adversário, já pensando em relações futuras.

"Se eles mostrarem em campo a falta de entrosamento que têm na política, vai ser moleza", provocava o deputado Tilden Santiago (PT-MG).

O 'treinador' escolhido para o Executivo foi Xico Graziano, Chefe de Gabinete da presidência, mas quem se 'intrometeu' na função ao longo do jogo foi Sérgio Motta, ministro das comunicações.



Foto: Folha de S. Paulo

Do lado legislativo, os deputados Vadão Gomes (PP-SP), Wigberto Tartuce (PP-DF) e Paulo Paim (PT-RS) revezaram-se entre a função e o campo - os três jogaram.

Graziano não poupava seus comandados. Quando Paulo Renato Souza, ministro da educação, ainda não havia definido sua posição, o 'técnico' cornetava: "Ele é um polivalente ao contrário: não joga bem em lugar nenhum!"

Xico também incorporava um 'treinador' de verdade: "Vamos ter que cozinhar. Cozinhar com muita paciência, muita calma. Se ganharmos de um a zero, está bom."

O jogo
A partida foi disputada em um campo de futebol society, com oito em campo para cada lado - sem limites para substituições. Estava marcada para as 10 horas da manhã, mas, é claro, precisou ser atrasada.

O motivo eram os ministros da educação e comunicação, respectivamente, Paulo Renato e Sérgio Motta, que alegou estar com o pé direito machucado e preferiu não entrar em campo. Os dois estavam em São Paulo e não puderam chegar a tempo.

Mesmo com as ausências, Fernando Henrique Cardoso deu procedimento ao evento, 40 minutos depois. Os 'atletas' posaram para fotos e o presidente distribuiu flâmulas com as inscrições "Reforma já".


FHC dá início à partida. Foto: Folhapress

Em seguida, deu o pontapé inicial e partiu para assistir ao jogo na 'arquibancada'. Mesmo sem estar escalado, não poderia jogar, já que, de acordo com ele, teria comido uma buchada de bode dois dias antes, em visita à cidade de Nova Jerusalém, Pernambuco, e passado mal na madrugada anterior.

Quando pediam um palpite, ficava em cima do muro: 3 x 2, sem especificar qual time levaria a vitória. "Será do povo", se esquivava.
Paulo Renato chegou quando já haviam se passado 10 minutos de jogo, vestindo uma camisa do Grêmio, sendo provocado por FHC: "Que papelão, cria vergonha, Paulo!"

"Está mais parecendo um piquenique inglês. Os dois lados estão como baratas tontas", palpitava FHC, dando a tônica do jogo, que começou nervoso e faltoso.

Quando Ricardo Gomide (PC do B-PR) começou a entrar com facilidade na área adversária, pelo lado direito, o presidente irritou-se com o lateral-esquerdo de seu time, que secretário do Tesouro Nacional: "Guarnece a defesa, Murilo [Portugal]! Nem parece que você está no Tesouro, deixa tudo solto!"

Sérgio Motta se arrisca nas embaixadinhas. Foto: Folhapress

Trapalhadas
Como a disputa era descontraída, a desorganização foi um show à parte. Por quase cinco minutos, o time do governo contou com um jogador a mais em campo, já que Paulo Renato entrou no lugar de Murilo Portugal em certa altura - sem, porém, esperá-lo sair do gramado.

"Vocês querem ganhar com maioria forçada", reclamou Tilden Santiago. Paulo Paim, que estava do lado de fora na ocasião, invadiu o gramado e pediu a interrupção até que o adversário voltasse a ter o mesmo número de jogadores.

Além disso, o time do Legislativo previa 17 representantes, mas nada menos que 25 apareceram para o jogo. "Não sei quem está jogando, não conheço ninguém", comentava o 'técnico' Paim à certa altura. Alguns políticos estavam em seu primeiro mandato, há poucos meses no cargo, o que fez com que chamasse seus comandados por apelidos criados na hora, como "Bigode" e "Frangão".


Paulo Renato, Milton Seligman e Marquinhos Chedid, que viria a ser presidente do Bragantino Foto: Marcio Arruda / Folhapress

Gols
Aos 22 minutos de jogo, Paulo Renato colocou a mão na bola dentro da área. Pênalti assinalado pelo juiz Norberto Balsanelli, que era segundo tenente do exército.

Wigberto Tartuce foi para a cobrança e abriu o placar. "Vou mandar uma caixa de uísque para o ministro Paulo Renato", brincou após o lance.

Com apenas alguns segundos na etapa complementar, veio o empate: Graziano, que havia entrado em campo, chutou forte, sem chance para o goleiro Ricardo Gomide (PC do B-PR).

A alegria, porém, não durou muito. Aos 4, aos 12 e aos 13, Francisco Rodrigues (PSD-RR) marcou três gols e transformou o placar em goleada. "Tenho que nomeá-lo ministro!", brincou FHC, que também aproveitou para achar um culpado: o goleiro Milton Seligman, secretário-executivo do Ministério da Justiça.


Sérgio Motta ao lado de Wigberto Tartuce. Foto: Marcio Arruda / Folhapress

"Um desastre!", bradou, acompanhado por Sérgio Motta: "Esse goleiro é muito ruim. O legislativo fez um acordo com o Ministério da Justiça."

Paulo Chelotti, agente da Polícia Federal, diminuiu para o Executivo aos 17, e, com mais um gol de Graziano, encostaram no placar aos 23 minutos: 4 x 3.

Aos 28', porém, Rondon Santiago (PPR-AC) deu números finais ao jogo: 5 x 3.

Fim de jogo
Pouco depois do apito final, Sérgio Motta agarrou a bola usada na partida e uma camisa do time adversário. "Vou entregar ao presidente", explicava.


FHC e a bola do jogo. Foto: Marcio Arruda / Folhapress
Um churrasco foi servido enquanto formavam-se grupos para discutir articulações políticas, e, se antes o clima era de disputas acirradas pela bola, agora as conversas tinham um caráter mais negociador. Alguns cogitavam até uma partida de 'volta', no campo do Clube do Congresso, para dali a alguns meses.

Houve tempo, ainda, para que Graziano e José Luiz Portella, presidente da FAE, superassem Vadão Gomes (PP-SP) e Odelmo Leão (PP-MG) em uma partida de truco, uma 'mini-vingança' pela derrota de mais cedo.

No mesmo ano, em 13 de maio, o time do Governo voltou a campo, desta vez para enfrentar uma equipe da Imprensa. Na ocasião, conseguiram vencer por 3 x 2.


Flâmulas "Reforma Já" sendo entregues. Foto: Marcio Arruda / Folhapress

Legislativo 5 x 3 Executivo


Local: Granja do Torto, residência de campo da Presidência da República
Juiz: Norberto Balsanelli (Segundo Tenente do Exército)

Cartão Amarelo: Tilden Santiago (PT-MG)

Confira abaixo os 'jogadores' de cada equipe - Muitos são presença constante no noticiário político até os dias de hoje: 

LEGISLATIVO:
Dilceu Sperafico (PP-PR)
Pedro Canedo (PP-GO)
Fernando Gonçalves (PTB-RJ)
Leonel Pavan (PDT-SC)
Chicão Brigigo (PMDB-AC)
Ricardo Gomide (PC do B-PR)
Herer Parcianello (PMDB-PR)
Wigberto Tartuce (PP-DF)

Substitutos:
Tilden Santiago (PT-MG)
Francisco Rodrigues (PSD-RR)
Ronivon Santiago (PPR-AC)
Marquinho Chedid (PSD-SP)
Rommel Feijó (PSDB-CE)
Paulo Paim (PT-RS)
José Roberto Arruda (PP-DF) (Senador)
Arnon Bezerra (PSDB-CE)
Nelson Meurer (PP-PR)
Vadão Gomes (PP-SP)
Eraldo Trindade (PPR-PB)
Valdomiro Meger (PP-PR)
Francisco Escórcio (PP-MA)
José Janene (PP-PR)
Silvernani Santos (PP-RO)

EXECUTIVO:
Milton Seligman (Secretário-executivo do Ministério da Justiça)
Paulo Félix (Chefe de comunicação do Ministério da Justiça)
Paulo Renato (Ministro da Educação)
José Luiz Portela (Presidente da FAE)
Francisco Graziano (Chefe de Gabinete de FHC)
Paulo Chelotti (Agente da Polícia Federal)
Marlo Litwinski (Chefe de comunicação do Banco do Brasil)
Murilo Portugal (Secretário do Tesouro Nacional)

Substitutos:
Major Villaça (Ajudante de ordens de comitivas de FHC)
Raimundo Dantas (Secretário Particular do Ministro da Justiça)

'Escalados', mas não jogaram: 
Denot Medeiros (Embaixador responsável pelo Mercosul)
Sérgio Motta (Ministro das Comunicações)

Observações:
PPR = Partido Progressista Reformador
PSD = Extinto em 2003. Partido de mesmo nome que o fundado em 2011.
PP = Antes de chegar aos atuais moldes. O número de votação, por exemplo, era o 39.
FAE = Fundação de Assistência ao Estudante

Informações: Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo
Fotos: Folha de S. Paulo